O MILITANTE


Eu sou um militante inteligente
Sem, todavia, ser dos mais capazes,
Mas basta-me colar só uns cartazes
Pra garantir os tachos cá da gente.

O meu "tachinho" deu-me o presidente
E só não estou melhor por não ter bases,
Mas aqui pouco importa o que tu fazes,
Basta, nas eleições, dizer "presente!".

A minha vida assim de papo cheio
Às vezes traz-me grandes aflições
E dores de cabeça de permeio.

Imagine o leitor (suposições)
Se, por um mero acaso ou caso feio,
O meu partido perde as eleições.


Ponte de Sor, 4/11/05


O CHUCHALISTA


Não são carne, nem peixe, os chuchalistas,
São vírus parasita do sistema
Que tem no compadrio único lema
E se propaga célere nas listas.

São mestres do disfarce e vigaristas,
De todas as campanhas são o tema,
Poluem um partido, entram no esquema,
Conhecem do poder todas as pistas.

Exímio defensor do capital,
Tem um perfil e pose democrata
Quando prega o amor ao social.

Ó chuchalista fino e de gravata,
Pra pregares aos pobres a moral,
Precisas de ter mesmo muita lata!


Ponte de Sor, 11/10/05


O CACIQUE


Presidente da Câmara da terra,
Sou dono do destino desta gente,
Dou-lhes emprego, mostro-lhes o dente,
Sou o senhor feudal sempre na berra.

Ganhar é o mais fácil nesta guerra.
O voto é tão barato e felizmente
Para o comprar e ser-se presidente
Basta só o charme que o poder encerra.

Algumas aldrabices, esquemas baços,
Muito ajudam a estar sempre na moda
Que o poder também tem e cria laços.

Cartilha do poder? Eu sei-a toda:
Beijos, sorrisos, tachos e abraços.
Quanto ao resto, o povo que se foda!


Ponte de Sor, 7/10/05


O MINISTRO


Antes, tudo sabia e resolvia,
À mesa do café, na t’levisão,
Em sábios artigos de opinião
Em que ocupava parte do meu dia.

Mas tudo eu esqueci do que sabia
No dia em que o Primeiro da Nação
Acreditou na minha vocação
Pra resolver o mal que denuncia.

Pra meu mal, bloqueei completamente,
A minha inteligência ficou morta
E na cabeça já só entra o pente.

Talvez o meu destino fosse a horta...
Razão tem o meu povo infelizmente:
Eu sou estúpido que nem uma porta!


Ponte de Sor, 8/10/05


O ELEITO


Do varandim saúda a multidão
Que em baixo rejubila coa vitória.
Quantas mentiras! Quanta falsa história!
O preço pra vencer a eleição.

Povo infeliz não vota em quem é são
E o voto da vitória vem da escória.
Povo infeliz de tão fraca memória
De que o poder reflecte a podridão.

No poder, como é fácil esquecer
Tuas promessas cínicas de esquerda
Com que salvaste o coiro de perder.

Mas não estranhes, também, que quem não herda
O prometido te venha dizer:
Raios te partam, mentiroso de merda!


Quarteira, 5/10/05


ELEITOR


Governe bem, governe muito mal,
O meu voto tem sempre garantido,
Porque eu não meto os cornos ao partido
Que escolhi pra meu clube em Portugal.

Eleições são um jogo capital
Para quem tem o tacho prometido,
Mas é jogo, pra mim, ganho ou perdido
Que termina na noite eleitoral.

De política não percebo nada,
Nem quero perceber, obviamente,
Que esta cabeça já nasceu cansada.

E se quem foi eleito presidente
É ignorante e faz muita borrada,
A culpa não é minha certamente.


Ponte de Sor, 15/11/05


O ZÉ PAVÃO


Filho do Zé Povinho é Zé Pavão
Que hoje se pavoneia na avenida
Ao volante do carro ca querida
De que ‘inda não pagou a prestação.

O pai foçava e só o filho é calão,
Pois vendo o velho pai na sua lida
Mais ficou a gostar da boa vida,
Razão por que virou um mandrião.

Eis a foto do povo português:
Gente séria, honesta e de trabalho
Trocada pelos vícios do burguês.

São dívidas no banco e até no talho...
E quando ninguém paga ao fim do mês,
Apetece mandá-los prò caralho!


Ponte de Sor, 26/10/05


O BARÃO


Traficante é senhor de muitas manhas,
O “cacau” mesmo sujo tem bom cheiro
E eu até sou um gajo bem porreiro,
Financio partidos e campanhas.

São necessárias muitas artimanhas,
Correr riscos, gastar muito dinheiro,
Corromper, subornar o mundo inteiro...
(Nesta vida, as despesas são tamanhas!)

Pra garantir um lucro alto, elevado,
Qualquer das soluções: perseguição
Ao tráfico ou, então, livre mercado.

Mas, ó legislador, presta atenção
(O mercado tem isto bem explicado):
O consumo não pode dar prisão.


Lisboa, 5/3/06


O SENHOR PRIOR


Depois de tanto ouvir em confissão
Centenas e centenas de pessoas,
Ricas e pobres, más (ou quase) e boas,
Decidi não dar mais a absolvição.

Mortes, assaltos, fraudes, corrupção,
Bem sei, meu Deus, que Tu tudo perdoas,
Mas, contra o que Tu crês e apregoas,
Os crentes já só são por tradição.

Pensas que o baptizado e o casamento
De tantos portugueses mensalmente
Reflecte a devoção p’lo sacramento?

Era melhor cá vires brevemente,
Pra veres com os teus olhos (lamento!)
Que morreste na cruz inutilmente.


Abrantes, 12/11/05