O BUROCRATA


Sou funcionário sem hab’litações
Numa repartição aqui do Estado,
Vou até ao café, chego atrasado,
Dou cabo dum cigarro e dos pulmões.

São bem difíceis todas as questões
Para quem está, como eu, mal informado
E pergunto ao colega ali do lado
Que, por não saber, dá-me sugestões.

O público, se tem pressa, que aguente,
Vendo esta cara linda e enfadada
Com que eu atendo sempre toda a gente.

Do que eu gosto mesmo é da papelada
E de poder faltar sem estar doente...
Isto é, de trabalhar sem fazer nada.


Ponte de Sor, 3/11/05


O EMPREITEIRO,

OU MELHOR, EMPRESÁRIO DE CONSTRUÇÃO CIVIL


A trabalhar na construção civil
Fui vendo e apercebendo que o dinheiro
Morava na mansão do empreiteiro,
Sem estatuto, nem estudos, nem perfil.

Esta vida, no fundo, é um funil,
Onde só passa quem é bom olheiro,
Qualidade que não falta ao pedreiro
Que faz por dez e vende por dez mil.

O lucro não é todo para mim,
Que, para construir muitos andares,
Também se tem de dar algum pilim.

E damos de comer a muitos lares,
Que, pròs da vereação dizerem “sim”,
Não basta só com eles almoçares.


Ponte de Sor, 8/11/05


O PATRÃO


A vida foi a minha única escola,
Nas obras trabalhei, fiz uns biscates,
Aprendi a fazer uns disparates,
Cheguei a passar mal, a pedir esmola.

Hoje tenho uma empresa, não dou bola,
Sou um grande empresário com tomates,
Tenho carros, piscina e uns dislates
De subsídios tirados da cartola.

A minha vida vai de vento em popa,
Mas a empresa já só produz credores
E o destino vai ser a bancarrota.

Devo a todos (até trabalhadores)
E mesmo nos impostos já se poupa...
Eis o fim natural dos impostores.


Ponte de Sor, 3/11/05


O EMPREGADO


Não sou trabalhador mas empregado,
Que isso de trabalhar também faz mal,
Faz doer o costado, é anormal,
Transforma a nossa vida em triste fado.

Se o meu patrão não vê, fico parado,
Depois eu vou cagar, ler o jornal,
Um intervalo mais e coiso e tal,
E o dia de trabalho está passado.

A minha empresa está de pés prà cova:
Não vende, não produz e não factura.
Que merda de patrão! Que bela sova!

Só já peço trabalho com fartura,
Agora que o perdi. Que dura prova!...
(Com gente desta, o país não tem cura.)


Ponte de Sor, 4/11/05


O SINDICALISTA


Sou o teu delegado sindical,
Meus dias de trabalho são perfeitos,
Fingindo que defendo os teus direitos,
Vou gozando o descanso semanal.

Velhos tempos da luta laboral!…
Hoje, com o Governo estamos feitos,
Ele dá-nos benesses e proveitos
E o sindicato dá a paz social.

É sina de operário ser roubado
Pelos patrões, Governo e sindicato
Que há muito se passou para este lado.

O esquema é sempre o mesmo e sai barato:
Belos discursos, bom palavreado,
E o trabalhador cai que nem um pato.


Quarteira, 15/4/06


O DIRIGENTE


Eu sou um dirigente português
Dum emblema que vende jogadores,
Deve ao fisco e aos bons fornecedores
E joga futebol de quando em vez.

Se o treinador um bom trabalho fez,
Tens o mundo na mão, vás onde fores,
O pior são as queixas dos credores
Que me perseguem todo o santo mês.

Como sabes, dinheiro não tem cor
E, se for necessário pra vencer,
Sou capaz de pagar certo favor.

Mas mesmo que acabasse por perder,
Seria um presidente ganhador
Que eu sou sempre o primeiro a receber.


Ponte de Sor, 8/11/05


O OTÁRIO


Sou um contribuinte cumpridor,
Passo recibo, exijo uma factura,
Pago taxas, pago IVA com fartura,
Pra alimentar um Estado gastador.

Eu sou um verdadeiro benfeitor,
Mas, nas repartições, ninguém me atura,
Tribunais, hospitais estão em ruptura,
Tratam-me como um cão e por favor.

Para onde vai, então, o meu dinheiro?
Pra reformas, subsídios milionários,
Mariscadas, viagens ao estrangeiro.

Bem grandes são os tachos partidários
De que o Estado é o santo padroeiro.
No fim, quem paga a conta? Os otários.


Quarteira, 17/4/06